Por tudo que vemos hoje o senso
comum nos leva a considerar que um espiritualista não poderia ter outra posição
sobre o tema que não aquela adotada pelos religiosos, que passam a demonizar os
opinião contrária. Fica realmente difícil abordar o tema com sobriedade sem
cair nos estereótipos impingidos a cada opinião expressada.
O Ocultismo é de um período da
história da humanidade no qual religião e política eram uma coisa só e ainda
hoje se pode recorrer ao que elas têm em comum que é a filosofia, em sua
interpretação mais primária, ou seja, como a própria concepção do termo,
"amor à sabedoria".
Ambos se apresentam como sendo
coerentes, lógicos e sábios em seus argumentos, mesmo sendo contrários. Temos
aqui dois pontos que ficaram bastante claros nos discursos políticos favoráveis
e contrários ao tema do aborto, sendo que um lado propõem que nem se quer se
discuta a questão e mantenha a prática como sendo crime, por ser algo
anti-natural, enquanto outros querem propor que se faça um plebiscito.
Primeiro vamos considerar o
argumento do que seja mais natural. O ser humano se encontra distante do que é
natural, nem tudo que é natural realmente lhe serve. Consideremos que na
natureza é prática corrente entre animais das espécies mais avançadas, no caso
os mamíferos, o hábito do infanticídio, filhotes são devorados pelos próprios
pais.
Tal procedimento foi adotado em
diversas culturas humanas, como poderíamos ver na Grécia antiga, na China e
entre os índios do Brasil e alguns povos Africanos, indivíduos nascidos com
sexo diferente do desejado, com má formação, ou mesmo em alguns casos um dos
nascidos gêmeos, ou ainda nascidos albinos.
Esta prática, por estranha que
nos pareça é natural e no entanto nem de longe nos serve como referência. Ou
seja, não é porque algo é natural que será correto para o ser humano. Outro
equívoco é o conceito de se levar em consideração a opinião da maioria. Pois no
período em que se praticava a escravidão esta era considerada algo normal pela
grande maioria das pessoas.
Se tivesse sido feito um
plebiscito na época ao invés de se tomar a decisão de extinguir essa prática
nós teríamos isto até hoje, de forma institucionalizada e não clandestina como
ainda ocorre. Aquilo que a maioria considera certo ou errado não
obrigatoriamente será algo que nos sirva ou que se devesse tornar lei.
A grande maioria pode não
praticar o aborto e considerar uma prática condenável, mas as leis são
definidas pelos costumes do povo, e essa é uma prática recorrente, mesmo que
atualmente na clandestinidade e é praticado por aqueles que não consideram como
sendo condenável.
O fato de ser uma minoria esta
deverá ser ignorada, ter seus direitos negados, ser banida, punida, repudiada?
Então imaginemos que a maioria da população mate animais para se alimentar, os
vegetarianos deveriam ser considerados criminosos? Então a maioria é de
vegetarianos, os que comem carne deveriam ser considerados criminosos?
Se basear na opinião da maioria é
uma armadilha lógica que pode levar a grandes injustiças. Embora o poder da
maioria também seja algo Natural e no entanto mais uma vez, nem tudo que é
Natural nos serve. Podemos ver isso em nossa história, passada e atual. Aí
vemos que a maioria é germânica, então os judeus deverão ser banidos. [?] Aí
vemos que a maioria é israelense, então os palestinos deverão ser banidos. [?]
Muitos argumentos existem a favor
e contra em todos esses temas polêmicos e o que mais vem a tona é a questão da
vida, esse é o grande apelo nas discussões, como se não matássemos constantemente
para viver. Os vegetarianos argumentam que eles não matam animais para viver,
no entanto usam produtos não alimentícios também de origem animal. Sem contar
que ao ingerirmos alimentos vegetais esses vegetais que também são seres vivos
estarão sendo mortos.
Aí a discussão muda de contexto.
Ou seja, se torna lícito matar, desde que haja necessidade para isso e que não
se provoque dor. Até aí tudo bem, segundo as Ciências Convencionais, ao menos
fisicamente as plantas não sentem dor. Assim como um feto que ainda não tenha
seu sistema nervoso formado e funcional também não sentiria.
Nesse caso a questão volta para o
tema da vida e se argumenta se tratar de uma vida humana. Mas o que nos
distingue dos animais? Segundo as Ciências Convencionais podemos dizer que ao
menos fisicamente nada nos distinguiria de outros animais.
Então onde encontramos aquilo que
por definição faria de nós humanos? Certamente que não é algo físico, mas sim
algo psico-social, um senso de identidade, a auto-consciência. Ou seja, nesse
caso enquanto o indivíduo não dispõe dessas características ele ainda é um
animal, como poderíamos classificar a condição de um feto.
Ainda que se considere que ali
haveria uma promessa de vida humana, mas isto apenas a partir de um determinado
estágio da gestação e como é da natureza humana, ainda assim, não haverá
garantia nenhuma de até quando essa vida transcorrerá naturalmente, pois desde
que se esteja vivo se estará predisposto a morrer.
Ou seja, fisicamente não há
maiores discrepâncias éticas neste tema do que em qualquer outro. Pela visão
ética da questão, levando-se em conta o sentido mais básico do termo, ou seja,
ethos, ou "o mais próximo da perfeição", podemos dizer que já existem
tantas outras imperfeições em nossa estrutura social que este viria a ser
apenas mais um tema como qualquer outro, sendo justificado por diversos
precedentes.
Assim entra em questão o apelo a
questões espirituais e assim como fisicamente quem tem a palavra são as
Ciências Convencionais, nas questões espirituais temos as Ciências Ocultas.
Segundo as quais trabalhamos com elementos de distinção entre os seres Animais
e os seres Humanos.
Segundo as Ciências Ocultas temos
que o espírito humano só sentirá dor a partir do momento em que este esteja
conectado ao sistema nervoso do corpo físico e isto só ocorre depois do sexto
mês de gestação, de modo que tecnicamente até esse momento se poderia dizer que
a experiência da morte nem será vivida com mesma intensidade que quando já se
está realmente encarnado.
Outro aspecto é a questão
Kármica, pois se faz parte do destino do indivíduo passar por uma experiência
reduzida de encarnação, isto irá acontecer, quer seja naturalmente, ou por
intervenção de alguém. Se considerarmos a vida material como Maia, ilusão, esta
seria equivalente a um sonho, e já que assim como é embaixo é em cima, é mais
importante o sono que o sonho. Ou seja, não faz diferença para o
desenvolvimento do espírito se sua encarnação dura 6 meses dentro de um útero
ou 120 anos. Ele de qualquer forma vivenciará aquilo que tem para vivenciar
naquela experiência terrestre.
Enfim, vemos que por quaisquer
argumentos que usemos, estes não nos forçam a qualquer posição maniqueísta,
pois certo e errado são conceitos pessoais que nós atribuímos as coisas e não
existem por si.
Então o que cabe a sociedade não
é discutir sobre o aborto ser ou não algo correto, pois existirão aqueles que
consideram que sim e os que considerarão que não e ambos estarão com razão de
acordo com o ponto de vista. A discussão a ser feita é se aqueles que
consideram correto, sendo uma minoria, deverão ser considerados criminosos.