Convido aqui aos leitores a que
se permitam imaginar e acompanhar esta história que mesmo se tratando de uma
ficção trará consigo elementos que ilustram nossos dias e a nossa relação com o
Oculto.
(Esta história é uma
parábola e todos os dados objetivos e referências são fictícios)
A Saga dos Quiniguibalis
Existiu uma remota e pequenina
ilha perdida na vastidão do Oceano Pacífico onde habitava um povo que dava a si
mesmo o nome de Quiniguibali, o nome que davam à sua ilha era Niguibali, que em
idioma nativo significava "todas as cores", davam este nome porque
sua ilha possuía falésias multicoloridas e uma vegetação rica em flores dos
mais diversos tipos então este nome lhe caía bem e assim por conseguinte o nome
do povo significava "filhos de Niguibali".
Era um povo simples de vida pacata
que há muitas gerações que não tinham contato com outros povos. Suas atividades
principais além das interações sociais normais aos humanos consistiam em
coletar alimentos, uma vez que a agricultura não supria todas as suas
necessidades. Tinham um apetite especial por um tipo específico de marisco que
gostavam de comer cozido.
Sim eles conheciam o fogo. Eram
de mentalidade mediana, tinham inclusive uma gramática razoavelmente
desenvolvida e uma escrita rudimentar somente dominada pelos anciões que
guardavam sua história. Sabiam por exemplo que os últimos 43 anos foram de
escassez do marisco que antes era abundante nas rochas de águas rasas, como
também sabiam que a origem de seu povo provinha de uma terra distante para
muito além das ondas do mar que os rodeava, em algum lugar seguindo em direção
para onde o Sol nasce todas as manhãs, davam a esta terra o nome de
Runiguibalis, significando "antiga Niguibalis" ou "antes de
Niguibalis", os anciões não conseguiam chegar a um consenso sobre o
sentido mais adequado para a partícula "ru", assim usavam o termo
Runiguibalis também para definir a direção Leste, como também para se referirem
ao Sol.
Ao marisco que apreciavam
chamavam de Ru'qui, que tinha um significado de algo como "filho do
leste", especialmente porque as áreas nas quais essa iguaria era coletada
se encontravam nas praias que faziam frente para o Nascente, de modo que os
coletores também eram chamados de Runiguibalis.
Com a escassez de Ru'qui os
Runiguibalis (coletores de marisco), passaram a procurá-los em pedras submersas
cada vez mais distantes da praia e ao longo de poucas gerações começou a ser
preciso mergulhar grandes profundidades e permanecer prendendo o fôlego por
períodos cada vez mais longos. Assim os Runiguibalis foram se tornando exímios
mergulhadores capazes de alcançar profundidades que nenhum outro Quiniguibali
seria capaz.
Sendo assim eles se tornaram os
únicos capazes de alcançar o recife de coral que existia a uma considerável
distância da praia e a cada vez que mergulhavam por ali ficavam maravilhados
com a beleza das cores do coral e dos peixes e outros seres marinhos que viviam
ali e voltavam contando sobre essas maravilhas da natureza, contando para os
anciãos para que estes registrassem essa descoberta para as gerações seguintes.
Isto era algo que tornava seu difícil trabalho um pouco mais prazeroso. Como
não havia antecedentes linguísticos de uma nomenclatura para Coral eles
chamaram de Finiguibalis, significando "pai de todas as cores", como
sendo um superlativo da diversidade de cores que já conheciam, de modo que
nunca haviam visto nada igual em terra.
Foram tempos de relativa fartura,
pois a provisão de Ru'quis coletadas no coral era abundante, em pouco tempo os
Runiguibalis foram aprendendo a coletá-los sem se cortarem no coral e evitando
ouriços, moréias e águas vivas, para tirar dali o sustento de seu povo.
E assim foi se passando o tempo e
geração após geração foi perdendo o interesse por Ru'quis a medida que a agricultura
foi ficando mais desenvolvida. Assim a profissão de Runiguibali foi deixando de
ser necessária e uns poucos agora já anciãos escreviam suas próprias histórias,
embora de fato encontrassem grandes obstáculos em encontrar palavras e maneiras
de descrever tudo aquilo que viam em seus mergulhos ao longo daquele recife tão
cheio de vida.
Como existiam entre os anciãos
muitos Runiguibalis, este termo passou a ser adotado também para definir o
grupo de anciãos que guardava a história e orientavam e educavam as gerações
mais novas. E é claro que contavam belas aventuras que tiveram em seus
mergulhos ao recife.
Passaram-se muitas gerações mais
até que não existisse mais nenhum mergulhador entre os anciãos de modo que o
termo Runiguibali passou a definir apenas a distinta classe do conselho de
anciãos daquele povo. Mas sua história foi registrada. Toda ela escrita em
riqueza de detalhes.
Já nessa época os anciãos haviam
conseguido fazer com que boa parte da população fosse capaz de ler e escrever,
embora sua escrita fosse mais baseada em desenhos de modo que as explicações
eram, como sempre foram, transmitidas por tradição oral.
Nenhum dos anciãos e nem mesmo
nenhum dos jovens haviam jamais mergulhado fundo e distante o bastante para
chegar se quer perto do recife, ninguém mais tinha o fôlego tão desenvolvido a
ponto de ser capaz das proezas dos antigos mergulhadores. Portanto, tudo que
lhes restava eram os relatos dos seus heróicos antepassados das histórias
contatas pelos Runiguibalis (anciãos) que mesmo sem nunca terem mergulhado se
consideravam mantenedores fiéis das antigas tradições.
Sabiam pelas suas antigas
escrituras que quando o mar está revolto não é possível chegar até Finiguibali,
sabiam que o sustento vinha de Finiguibali, que ele os provia a alimentava a
todos com Ru'qui, e que somente um Runiguibali seria capaz de ver Finiguibali
em toda a sua beleza de vida e cores e só por suas mãos viria o tão valioso
Ru'qui.
Sem dúvida estas histórias
ficavam um tanto confusas, já que as presentes gerações já haviam esquecido o
que eram Ru'quis, e para eles Runiguibalis eram apenas e tão somente os
Anciãos, e não seria difícil imaginar que qualquer compreensão clara do que
seria Finiguibali estaria profundamente comprometida em vista de não ser
possível a nenhum Quiniguibali moderno chegar a vê-lo.
Os antigos mergulhadores deixaram
registrados detalhes interessantes como por exemplo um tipo de exercício
respiratório que faziam para adquirir a capacidade de prender a respiração
dentro d'água pelo tempo necessário, os anciãos mantiveram essa salutar prática
sendo passada às novas gerações, pois este era o único meio de se chegar a
Finiguibali.
A medida que a história foi sendo
contada geração após geração a percepção do que seria Finiguibali foi se
alterando e evitando que se perdesse essa informação se enfatizava e discursava
sobre a importância e valor do "Pai de Todas as Cores", a explicação
clara de que para encontrá-lo é essencial que se faça exercícios respiratórios,
deixe o mar se acalmar e se voltar para Runiguibali, leste, a terra ancestral, a
origem de nosso povo, de onde viemos, onde vive o grande Finiguibali, pai de
todas as cores, pai de Niguibali, portanto criador de nossa ilha, os
Quiniguibalis, "filhos de Todas as Cores" recebem o seu sustento do
Pai, que mandou ao seu povo o Ru'qui, filho ancestral, filho do leste, filho do
sol.
Sabiam que após um período de 43
anos de escassez os Runiguibalis encontraram Finiguibali e este lhes deu Ru'qui
e o povo não teve mais fome e Finiguibali supriu suas necessidades desde então.
Os atuais Runiguibalis, anciãos e
não mais os mergulhadores de antanho, quando a colheita era escassa faziam como
estava escrito que os antigos Runiguibalis faziam, eles esperavam que o mar se
acalmasse, faziam seus exercícios respiratórios e entravam no mar de frente
para o nascente, deixando que as ondas os cobrissem e depois voltavam para a
praia confiantes e com a sensação de missão cumprida, embora alguns até mesmo
questionassem a utilidade de tal ato.
Ainda assim o povo continuava a
admirar os seus atuais Runiguibalis, sabiam que eram uma classe especial de
pessoa, que só sendo um deles se seria capaz de chegar a ver o grande
Finiguibali, que só eles eram capazes de enfrentar as provas necessárias para
trazer ao povo o sagrado Ru'qui que saciaria a fome de todos, pois os desafios
para conseguir tal proeza consistiam em evitar que Finiguibali o ferisse,
evitar também aqueles que viviam com Finiguibali, como eram os fantasmas da
água (águas vivas), os espinhos de fogo (ouriços) e a serpente feroz (moréia).
Claro, nenhum dos Quiniguibalis
atuais jamais viu tais seres, sua única referência era aquela contida em suas
escrituras sagradas, contadas pelos Runiguibalis anciãos, e assim tudo que
podiam fazer era imaginar tais situações, tais aventuras, ou mesmo imaginar
toda a beleza e grandiosidade de Finiguibali.
Mas nem todos os Quiniguibalis
tinham tanto respeito pelos Runiguibalis, existiam alguns que não viam
utilidade prática nos exercícios respiratórios, não viam sentido na história de
um ser multicolorido que vive na água e é nosso pai, parecia absurda a idéia
dele mandar um filho especial para salvar o povo da fome e questionavam porque
só os Runiguibalis eram capazes de vê-lo e porque só eles podiam trazer à terra
o Ru'qui, filho ancestral do grande Finiguibali. (?)
Esses passaram a ser chamados de
Afis, aqueles não acreditavam no Pai (Fi). Os Afis desafiavam os Runiguibalis,
faziam seus discursos dizendo coisas como: "Porque não nos mostra
Finiguibali? Porque não nos mostra o Ru'qui? Onde estão eles agora?"
Pegavam cuias e enchiam de água para depois derramá-la ostensivamente bradando:
"Está vendo?! Na água não há nada! Me mostre alguma criatura colorida
nessa água!" e assim seguiam intermináveis discussões entre Runiguibalis e
os Afis, assim como todos aqueles que eram simpatizantes e defensores da antiga
tradição dos Runiguibalis, se sentiam indignados com os desrespeitosos
questionamentos dos Afis.
Os Afis por muito tempo foram
marginalizados e se mantinham isolados sem frequentar a grande cabana dos
Runiguibalis, repudiando seus ensinamentos. Mas com o passar de algumas
gerações foram adquirindo uma visibilidade maior e se organizando, buscando
despertar o maior número de Quiniguibalis possível para que vissem o quão absurdas
eram as práticas dos Runiguibalis.
Isso foi tornando os grupos de
simpatizantes dos Runiguibalis, que então eram chamados de Runis, cada vez mais
apaixonados e tinham acaloradas discussões nas quais os Afis diziam:
"Finiguibali não existe! Não há provas de que exista tal coisa!"; ao
que os Runis rebatiam afirmando: "Prove que ele não existe! Eu posso
senti-lo em meu coração, as provas estão nas Escrituras" e ainda se
estendiam falando do prazer que os Runiguibalis sentiam por estar em contato
com Finiguibali e por descobrir seus mistérios. Os Afis se indignavam com a
falta de lógica dos argumentos Runis e replicavam dizendo que "As
escrituras não eram prova de nada, pois qualquer um poderia tê-las escrito e
não eram especiais por isso, só contaram um amontoado de fantasias. E que já
haviam vindo navegadores de outros povos vindos do Leste e nunca viram tal
entidade e seria preciso ser muito tolo para acreditar na existência de tal
coisa descrita de forma tão fantástica".
Havia ainda alguns grupos que se
reuniam nas praias do leste para clamar por Finiguibali à espera de suas
benesses e alguns até declaravam terem visto o grande Ru'qui em um fugaz
relance. Enquanto os Afis questionavam a sanidade mental de tais indivíduos. Ao
que os Runis consideravam um insulto à memória dos grandes Runiguibalis que
morreram nos braços de Finiguibali por terem negligenciado os cuidados de
evitar os fantasmas da água, os espinhos de fogo e a serpente feroz.
Também já se tinha notícia de um
grupo isolado que se proclamavam seguidores da Serpente Feroz e igualmente eram
contrários aos Runis, bem como aos Afis, e consideravam a Serpente Feroz uma
antítese de Finiguibali, então eles se reuniam nas praias do oeste de noite
quando mar estivesse mais revolto, acendiam uma fogueira e dançavam a noite
inteira.
Certa vez havia uma discussão
mais acalorada numa praia entre um grupo de Afis e um de Runis, enquanto um Quiniguibali
solitário que assistia tudo isso comentou: "Essa discussão não faz
sentido, pois o problema não está em se Finiguibali existe ou não, mas o que
ele realmente é e em como as Escrituras estão sendo interpretadas, que
certamente significavam algo diferente do que é entendido hoje", mas
infelizmente nenhum dos dois lados lhe deu ouvidos, sendo que os Afis o consideraram
como sendo apenas mais um dos "delirantes" Runis, enquanto os Runis o
consideravam como mais um Afi querendo aprecer.
= Fim =
Adonai de Souza Jacino (Mammatus).
Não é por se tratar de uma
parábola que esta não estará sendo um retrato do que vivemos hoje, onde temos
religiosos, ateus e nossas sagradas escrituras sendo discutidas com base em
interpretações dadas a coisas que não foram vividas senão por quem as escreveu.
O ocultismo não trata de ocultar ou esconder conhecimentos, mas sim em
desvendar o que já se encontra oculto.
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Gostei. Claro que estou falando do texto, de como desenvolveu a ideia, com muita propriedade. Um texto fluido, de quem tem um pensar bem direcionado, e se preocupa com quem o lê.
ResponderExcluirParabéns.
Agradecido pelas considerações.
ExcluirUm Grande Abraço.
Parabéns pela simplicidade na elaboração do texto. Muito fácil entendimento, mostrando claramente um paralelismo com a Bíblia.
ResponderExcluir