sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Convite à Reflexão


Convido aqui aos leitores a que se permitam imaginar e acompanhar esta história que mesmo se tratando de uma ficção trará consigo elementos que ilustram nossos dias e a nossa relação com o Oculto.
 (Esta história é uma parábola e todos os dados objetivos e referências são fictícios)

 

A Saga dos Quiniguibalis

Existiu uma remota e pequenina ilha perdida na vastidão do Oceano Pacífico onde habitava um povo que dava a si mesmo o nome de Quiniguibali, o nome que davam à sua ilha era Niguibali, que em idioma nativo significava "todas as cores", davam este nome porque sua ilha possuía falésias multicoloridas e uma vegetação rica em flores dos mais diversos tipos então este nome lhe caía bem e assim por conseguinte o nome do povo significava "filhos de Niguibali".

Era um povo simples de vida pacata que há muitas gerações que não tinham contato com outros povos. Suas atividades principais além das interações sociais normais aos humanos consistiam em coletar alimentos, uma vez que a agricultura não supria todas as suas necessidades. Tinham um apetite especial por um tipo específico de marisco que gostavam de comer cozido.

Sim eles conheciam o fogo. Eram de mentalidade mediana, tinham inclusive uma gramática razoavelmente desenvolvida e uma escrita rudimentar somente dominada pelos anciões que guardavam sua história. Sabiam por exemplo que os últimos 43 anos foram de escassez do marisco que antes era abundante nas rochas de águas rasas, como também sabiam que a origem de seu povo provinha de uma terra distante para muito além das ondas do mar que os rodeava, em algum lugar seguindo em direção para onde o Sol nasce todas as manhãs, davam a esta terra o nome de Runiguibalis, significando "antiga Niguibalis" ou "antes de Niguibalis", os anciões não conseguiam chegar a um consenso sobre o sentido mais adequado para a partícula "ru", assim usavam o termo Runiguibalis também para definir a direção Leste, como também para se referirem ao Sol.

Ao marisco que apreciavam chamavam de Ru'qui, que tinha um significado de algo como "filho do leste", especialmente porque as áreas nas quais essa iguaria era coletada se encontravam nas praias que faziam frente para o Nascente, de modo que os coletores também eram chamados de Runiguibalis.

Com a escassez de Ru'qui os Runiguibalis (coletores de marisco), passaram a procurá-los em pedras submersas cada vez mais distantes da praia e ao longo de poucas gerações começou a ser preciso mergulhar grandes profundidades e permanecer prendendo o fôlego por períodos cada vez mais longos. Assim os Runiguibalis foram se tornando exímios mergulhadores capazes de alcançar profundidades que nenhum outro Quiniguibali seria capaz.


Sendo assim eles se tornaram os únicos capazes de alcançar o recife de coral que existia a uma considerável distância da praia e a cada vez que mergulhavam por ali ficavam maravilhados com a beleza das cores do coral e dos peixes e outros seres marinhos que viviam ali e voltavam contando sobre essas maravilhas da natureza, contando para os anciãos para que estes registrassem essa descoberta para as gerações seguintes. Isto era algo que tornava seu difícil trabalho um pouco mais prazeroso. Como não havia antecedentes linguísticos de uma nomenclatura para Coral eles chamaram de Finiguibalis, significando "pai de todas as cores", como sendo um superlativo da diversidade de cores que já conheciam, de modo que nunca haviam visto nada igual em terra.

Foram tempos de relativa fartura, pois a provisão de Ru'quis coletadas no coral era abundante, em pouco tempo os Runiguibalis foram aprendendo a coletá-los sem se cortarem no coral e evitando ouriços, moréias e águas vivas, para tirar dali o sustento de seu povo.

E assim foi se passando o tempo e geração após geração foi perdendo o interesse por Ru'quis a medida que a agricultura foi ficando mais desenvolvida. Assim a profissão de Runiguibali foi deixando de ser necessária e uns poucos agora já anciãos escreviam suas próprias histórias, embora de fato encontrassem grandes obstáculos em encontrar palavras e maneiras de descrever tudo aquilo que viam em seus mergulhos ao longo daquele recife tão cheio de vida.

Como existiam entre os anciãos muitos Runiguibalis, este termo passou a ser adotado também para definir o grupo de anciãos que guardava a história e orientavam e educavam as gerações mais novas. E é claro que contavam belas aventuras que tiveram em seus mergulhos ao recife.

Passaram-se muitas gerações mais até que não existisse mais nenhum mergulhador entre os anciãos de modo que o termo Runiguibali passou a definir apenas a distinta classe do conselho de anciãos daquele povo. Mas sua história foi registrada. Toda ela escrita em riqueza de detalhes.

Já nessa época os anciãos haviam conseguido fazer com que boa parte da população fosse capaz de ler e escrever, embora sua escrita fosse mais baseada em desenhos de modo que as explicações eram, como sempre foram, transmitidas por tradição oral.

Nenhum dos anciãos e nem mesmo nenhum dos jovens haviam jamais mergulhado fundo e distante o bastante para chegar se quer perto do recife, ninguém mais tinha o fôlego tão desenvolvido a ponto de ser capaz das proezas dos antigos mergulhadores. Portanto, tudo que lhes restava eram os relatos dos seus heróicos antepassados das histórias contatas pelos Runiguibalis (anciãos) que mesmo sem nunca terem mergulhado se consideravam mantenedores fiéis das antigas tradições.

Sabiam pelas suas antigas escrituras que quando o mar está revolto não é possível chegar até Finiguibali, sabiam que o sustento vinha de Finiguibali, que ele os provia a alimentava a todos com Ru'qui, e que somente um Runiguibali seria capaz de ver Finiguibali em toda a sua beleza de vida e cores e só por suas mãos viria o tão valioso Ru'qui.
 

Sem dúvida estas histórias ficavam um tanto confusas, já que as presentes gerações já haviam esquecido o que eram Ru'quis, e para eles Runiguibalis eram apenas e tão somente os Anciãos, e não seria difícil imaginar que qualquer compreensão clara do que seria Finiguibali estaria profundamente comprometida em vista de não ser possível a nenhum Quiniguibali moderno chegar a vê-lo.

Os antigos mergulhadores deixaram registrados detalhes interessantes como por exemplo um tipo de exercício respiratório que faziam para adquirir a capacidade de prender a respiração dentro d'água pelo tempo necessário, os anciãos mantiveram essa salutar prática sendo passada às novas gerações, pois este era o único meio de se chegar a Finiguibali.

A medida que a história foi sendo contada geração após geração a percepção do que seria Finiguibali foi se alterando e evitando que se perdesse essa informação se enfatizava e discursava sobre a importância e valor do "Pai de Todas as Cores", a explicação clara de que para encontrá-lo é essencial que se faça exercícios respiratórios, deixe o mar se acalmar e se voltar para Runiguibali, leste, a terra ancestral, a origem de nosso povo, de onde viemos, onde vive o grande Finiguibali, pai de todas as cores, pai de Niguibali, portanto criador de nossa ilha, os Quiniguibalis, "filhos de Todas as Cores" recebem o seu sustento do Pai, que mandou ao seu povo o Ru'qui, filho ancestral, filho do leste, filho do sol.

Sabiam que após um período de 43 anos de escassez os Runiguibalis encontraram Finiguibali e este lhes deu Ru'qui e o povo não teve mais fome e Finiguibali supriu suas necessidades desde então.

Os atuais Runiguibalis, anciãos e não mais os mergulhadores de antanho, quando a colheita era escassa faziam como estava escrito que os antigos Runiguibalis faziam, eles esperavam que o mar se acalmasse, faziam seus exercícios respiratórios e entravam no mar de frente para o nascente, deixando que as ondas os cobrissem e depois voltavam para a praia confiantes e com a sensação de missão cumprida, embora alguns até mesmo questionassem a utilidade de tal ato.

Ainda assim o povo continuava a admirar os seus atuais Runiguibalis, sabiam que eram uma classe especial de pessoa, que só sendo um deles se seria capaz de chegar a ver o grande Finiguibali, que só eles eram capazes de enfrentar as provas necessárias para trazer ao povo o sagrado Ru'qui que saciaria a fome de todos, pois os desafios para conseguir tal proeza consistiam em evitar que Finiguibali o ferisse, evitar também aqueles que viviam com Finiguibali, como eram os fantasmas da água (águas vivas), os espinhos de fogo (ouriços) e a serpente feroz (moréia).

Claro, nenhum dos Quiniguibalis atuais jamais viu tais seres, sua única referência era aquela contida em suas escrituras sagradas, contadas pelos Runiguibalis anciãos, e assim tudo que podiam fazer era imaginar tais situações, tais aventuras, ou mesmo imaginar toda a beleza e grandiosidade de Finiguibali.

Mas nem todos os Quiniguibalis tinham tanto respeito pelos Runiguibalis, existiam alguns que não viam utilidade prática nos exercícios respiratórios, não viam sentido na história de um ser multicolorido que vive na água e é nosso pai, parecia absurda a idéia dele mandar um filho especial para salvar o povo da fome e questionavam porque só os Runiguibalis eram capazes de vê-lo e porque só eles podiam trazer à terra o Ru'qui, filho ancestral do grande Finiguibali. (?)



Esses passaram a ser chamados de Afis, aqueles não acreditavam no Pai (Fi). Os Afis desafiavam os Runiguibalis, faziam seus discursos dizendo coisas como: "Porque não nos mostra Finiguibali? Porque não nos mostra o Ru'qui? Onde estão eles agora?" Pegavam cuias e enchiam de água para depois derramá-la ostensivamente bradando: "Está vendo?! Na água não há nada! Me mostre alguma criatura colorida nessa água!" e assim seguiam intermináveis discussões entre Runiguibalis e os Afis, assim como todos aqueles que eram simpatizantes e defensores da antiga tradição dos Runiguibalis, se sentiam indignados com os desrespeitosos questionamentos dos Afis.

Os Afis por muito tempo foram marginalizados e se mantinham isolados sem frequentar a grande cabana dos Runiguibalis, repudiando seus ensinamentos. Mas com o passar de algumas gerações foram adquirindo uma visibilidade maior e se organizando, buscando despertar o maior número de Quiniguibalis possível para que vissem o quão absurdas eram as práticas dos Runiguibalis.

Isso foi tornando os grupos de simpatizantes dos Runiguibalis, que então eram chamados de Runis, cada vez mais apaixonados e tinham acaloradas discussões nas quais os Afis diziam: "Finiguibali não existe! Não há provas de que exista tal coisa!"; ao que os Runis rebatiam afirmando: "Prove que ele não existe! Eu posso senti-lo em meu coração, as provas estão nas Escrituras" e ainda se estendiam falando do prazer que os Runiguibalis sentiam por estar em contato com Finiguibali e por descobrir seus mistérios. Os Afis se indignavam com a falta de lógica dos argumentos Runis e replicavam dizendo que "As escrituras não eram prova de nada, pois qualquer um poderia tê-las escrito e não eram especiais por isso, só contaram um amontoado de fantasias. E que já haviam vindo navegadores de outros povos vindos do Leste e nunca viram tal entidade e seria preciso ser muito tolo para acreditar na existência de tal coisa descrita de forma tão fantástica".

Havia ainda alguns grupos que se reuniam nas praias do leste para clamar por Finiguibali à espera de suas benesses e alguns até declaravam terem visto o grande Ru'qui em um fugaz relance. Enquanto os Afis questionavam a sanidade mental de tais indivíduos. Ao que os Runis consideravam um insulto à memória dos grandes Runiguibalis que morreram nos braços de Finiguibali por terem negligenciado os cuidados de evitar os fantasmas da água, os espinhos de fogo e a serpente feroz.

Também já se tinha notícia de um grupo isolado que se proclamavam seguidores da Serpente Feroz e igualmente eram contrários aos Runis, bem como aos Afis, e consideravam a Serpente Feroz uma antítese de Finiguibali, então eles se reuniam nas praias do oeste de noite quando mar estivesse mais revolto, acendiam uma fogueira e dançavam a noite inteira.

Certa vez havia uma discussão mais acalorada numa praia entre um grupo de Afis e um de Runis, enquanto um Quiniguibali solitário que assistia tudo isso comentou: "Essa discussão não faz sentido, pois o problema não está em se Finiguibali existe ou não, mas o que ele realmente é e em como as Escrituras estão sendo interpretadas, que certamente significavam algo diferente do que é entendido hoje", mas infelizmente nenhum dos dois lados lhe deu ouvidos, sendo que os Afis o consideraram como sendo apenas mais um dos "delirantes" Runis, enquanto os Runis o consideravam como mais um Afi querendo aprecer.
= Fim =
Adonai de Souza Jacino (Mammatus).
 


Não é por se tratar de uma parábola que esta não estará sendo um retrato do que vivemos hoje, onde temos religiosos, ateus e nossas sagradas escrituras sendo discutidas com base em interpretações dadas a coisas que não foram vividas senão por quem as escreveu. O ocultismo não trata de ocultar ou esconder conhecimentos, mas sim em desvendar o que já se encontra oculto.
 


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3 comentários:

  1. Gostei. Claro que estou falando do texto, de como desenvolveu a ideia, com muita propriedade. Um texto fluido, de quem tem um pensar bem direcionado, e se preocupa com quem o lê.
    Parabéns.

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  2. Parabéns pela simplicidade na elaboração do texto. Muito fácil entendimento, mostrando claramente um paralelismo com a Bíblia.

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