terça-feira, 9 de outubro de 2012

Iluminação

 
Quando tratamos da temática do "Oculto" e da "Vida Espiritual" muito prontamente surgem assuntos que remetem a um vasto e misterioso universo de encantos que fascinam aos mais idealistas.
 
Este texto segue em complemento e continuidade à publicação intitulada "Iniciação", de modo que poderia se dizer que os 2/3 (dois terços) iniciais do conteúdo ali exposto seriam comuns aos dois temas, por tratarem do contexto no qual ocorrem tanto o fenômeno da "Iniciação" quanto o da "Iluminação", sendo o primeiro referente ao Caminho Iniciático e o presente trabalho voltado a uma abordagem mais específica do que chamamos de "Caminho Místico".
 
Neste caso estaremos resumidamente acrescentando que ambos os "Caminhos" ocorrem como abordagens diferenciadas sobre algo que consiste em uma realidade Natural própria da Condição Humana, no que se refere ao estágio que esta representa no processo de Desenvolvimento Espiritual dos diversos Reinos da Natureza.
 
Assim teremos que em um contexto mais amplo a Vida se manifesta através dos Reinos Mineral, Vegetal e Animal de tal forma que gradativamente se vê mais plena na manifestação terrena dos sentidos, de maneira que a condição humana já se vê envolvida justamente na prodigalidade destes atributos.
 
Enquanto no Processo Iniciático vimos a busca pelo isolamento como uma opção, um propósito para alcançar um fim, apartar-se da vida mundana se mostra para o Caminho Místico quase tal como uma "necessidade angustiante da alma".
 
Ao longo das vidas humanas, tendo-se repetidas vezes passado pela experiência de exercer seu Livre Arbítrio e buscar por um Desenvolvimento Individual, chegamos a que muitos indivíduos venham a nascer já dotados deste "desejo", mesmo que inconsciente.

Se por um lado no Caminho Iniciático vemos os indivíduos assumindo a "solidão" da busca espiritual, no Caminho Místico esta seria a condição inicial, geralmente se observando indivíduos que naturalmente se sentem inadequados e desconfortáveis na "pequenez de suas vidas cotidianas".

Mesmo dentro das Ciências Ocultas o processo Místico é pouco e mal compreendido, especialmente dada a sua natureza mais sutil e subjetiva, bem como a relevância dos processos subconscientes envolvidos.
 
Abordar esta temática exige um certo cuidado especialmente para definir as tênues fronteiras entre o Caminho Místico e o Processo Iniciático. Sendo que geralmente o primeiro costuma ser melhor trabalhado nas Escolas Orientais, enquanto o segundo nas Ocidentais.
 

É comum também certas distinções de gênero no que se refere a predisposições naturais, sendo que o Caminho Místico é frequentemente buscado mais por mulheres que homens. Da mesma forma, ao longo dos milênios as Escolas Místicas e Iniciáticas foram se distinguindo em suas práticas, doutrinas, direcionamentos, propostas e métodos. Assim foram se sedimentando certas características como vemos que o Caminho Iniciático se caracteriza especialmente pelo uso de uma linguagem simbólica e do uso da ritualística, enquanto o Caminho Místico lança mão de uma abordagem poética e sua literatura tem um propósito inspiracional, tendo a ritualística substituida por práticas devocionais e o exercício da "religiosidade".

Aqui deixo o termo religiosidade entre aspas não por tratá-lo com um sentido conotativo, mas sim pelo significado original ter se diluído em conotações particulares, ou seja, não estou me referindo como religiosidade à afiliação e frequência a templos religiosos, ou organizações religiosas, mas sim a assumir em seu modo de vida princípios tais como dedicação, constância, disciplina e respeito que atribuem "sacralidade" ao que se faz.

O processo em si raramente é abordado de maneira tão "técnica" como estou me propondo aqui, mas justamente por isso vejo aí a necessidade de tal abordagem. Assim como está a Iniciação para o Caminho Iniciático está a Iluminação para o Caminho Místico.

Tanto o Iniciado quanto o Iluminado serão indivíduos que vieram a alcançar um nível de consciência mais pleno por haver se "desenvolvido" (no sentido não ver-se mais envolvido) do domínio dos sentidos terrenos, com a diferença que o Iniciado é aquele que buscou por alcançar tal objetivo enquanto em muitos casos o Iluminado poderá ser alguém que já venha a nascer "Desperto".

Ambos alcançam seus prodígios graças ao uso de seu "Livre Arbítrio", como já foi explicado quanto ao Processo Iniciático, embora de maneira um pouco diferente quanto ao Caminho Místico, pois neste caso o indivíduo estará se valendo de um outro aspecto observado na Condição Humana em sua relação com os demais Reinos, que consiste na própria estrutura através da qual o ser se manifesta em sua existência terrena, de tal modo que se venha a distinguir o "ser em si" da entidade criada por sua manifestação.

Em outras palavras, aquilo que definimos como sendo o "Livre Arbítrio", característica esta que viria a distinguir o Reino Humano dos demais, veremos que este não apenas pode ser exercido como no Caminho Iniciático em uma empreitada de antecipar cada etapa do processo natural de desenvolvimento previsto para o Reino Humano, mas também o Livre Arbítrio dá ao Ser Humano condições de ter sua Consciência Desenvolvida de maneira direta e em alguns casos e um único evento no qual o indivíduo toma contato com sua própria condição essencial de um Consciência Plena e Livre, como uma vida que se veja assim não mais envolvida pelos próprios sentidos.

Esta realidade essencial abordada no Caminho Místico é uma referência ao que verdadeiramente seria o "Ser em si" a despeito de sua condição transitória do Reino Humano, de modo que esta essência seria imutável e por tanto neste contexto não haveria nenhum tipo de progressão de etapas de desenvolvimento, pois esta realidade incorruptível preexistente não se vê alterada pela sua própria manifestação na realidade dos sentidos materiais.
 

Se trata de um estado consciencial de ser, comumente referido pela expressão "Eu Sou" como referência a quem somos em essência a despeito de qualquer condição manifestada, apenas e tão somente como consciência e vida, ou ainda, a figura tida como "O Observador", como uma realidade encontrada quando nos isolamos e abstemos de toda e qualquer referência externa, quer seja sensorial, emocional ou intelectual.

Tal estado de isolamento e neutralidade em algumas Escolas Orientais é referido com o termo "Samadhi", sendo um estado de plenitude e paz alcançado através daquilo que se chamaria de "Meditação Transcendental", ou ainda, "Silêncio Mental".

Este é um estado de consciência alcançado quando o foco de nossa atenção se restringe a um ponto neutro, central, no qual se reconhece como única realidade a própria condição de ser, situada no exato momento presente e espacialmente tomando-se o ser como centro, ao que se estabeleceu a expressão "Aqui e Agora", como uma referência a este ponto focal.

A princípio tal procedimento parece simples, e através de tal processo se tomaria um contato cada vez maior com esta essência e esta condição "paradisíaca" até chegar a um ponto em que esta Consciência perene de "Observador" viesse a se manifestar na realidade dos sentidos através do "despertar", como uma tomada de consciência na qual passamos a constatar a esta realidade transcendente como sendo mais propriamente nossa condição natural e verdadeira de existência, ao que então não mais estaríamos sujeitos às contingências da vida terrena, constatando assim sua transitoriedade e constituição ilusória, sendo em tese isto a que se poderia chamar de "Iluminação".

Na tradição do Caminho Místico temos como referências básicas textos com relatos e narrativas a cerca de Iluminados e sua trajetória até alcançar a Iluminação, no entanto esta trata-se de uma experiência tão absolutamente particular, que tais relatos servirão sempre apenas como material inspiracional, levando a robustecer a confiança e alimentar a dedicação neste processo de busca interior daquele que trilha o Caminho Místico, não servindo de modo algum como receita a ser seguida, pois os caminhos que levaram tal indivíduo à Iluminação só terão servido a ele e a mais ninguém, de modo que cabe a cada um encontrar seu próprio meio de lidar com sua própria personalidade de modo a alcançar o mesmo objetivo.

Em cada caso haverão fatores os mais diversos que acabarão por distinguir o progresso de cada um de maneira que haverão sempre aqueles que em muito pouco tempo venham a alcançar esta meta, e outros que mesmo após uma vida inteira de dedicação nunca virão a ter tal realização nesta etapa de vida terrena.

No entanto ocorre que a Iluminação em si, ao contrário do que é normalmente sugerido, não consiste em um fim, mas sim em um ponto marcante, um "divisor de águas", ocorrendo de que em alguns casos se venha a ter um ou mais destes eventos ao longo da vida, sem que nunca nenhum desses venha a ser uma experiência definitiva.
 

Tal ocorre de forma que podemos comparar com a expressão "Despertar", normalmente associada à Iluminação, sendo que podemos "Despertar" em determinado momento e após algum tempo sem que percebamos voltemos a "adormecer". Isto não representaria um retrocesso, pelo contrário, o "Despertar" cumpriu sua função, pois a vida passa a ser vivida de maneira diferente, pois por mais que se possa voltar a "adormecer" isto passaria a ser equivalente a vivermos um sonho agora sabendo conscientemente se tratar de um sonho, o que por si só já representaria uma diferença significativa à experiência terrena.
 
No processo do Caminho Místico, embora não se costume tratar disso também existem etapas, de modo que a Iluminação se daria em diferentes graduações. A experiência Mística tem como uma "primeira Iluminação" aquilo que algumas escolas chamam de "Revelação", esta seria uma experiência diferente para cada indivíduo, podendo ocorrer nos mais diversos tipos de situação, geralmente associada a um período de adversidades na vida comum e à ocorrência de um fato, não obrigatoriamente físico, que leva a pessoa a sofrer uma transformação de caráter e da maneira como encara a vida e lida com as adversidades.

A Revelação seria um primeiro "despertar" para a realidade espiritual do ser. Então uma vez vivida essa experiência transformadora o indivíduo passa a ter certas aptidões psíquicas despertas, variando sempre de uma pessoa para outra, além de uma visão mais esclarecida e uma maneira diferente de julgar e lidar com os fatos do cotidiano. Tais aptidões geralmente se manifestam na forma de Inspiração, Insights, Intuições, Sensitividade, Percepção Extra Sensorial.

Frequentemente tais experiências são acompanhadas de sonhos, visões, percepções diferenciadas, carregadas de simbolismos particulares cujos significados são desvendados com o tempo e através da concentração, meditação e silêncio da mente, por meio de intuições, podendo-se inclusive lançar mão de artes divinatórias e oraculares como maneira de obter um entendimento mais profundo do processo que se esteja vivenciando.

Um outro tipo de "Iluminação" ocorreria apenas depois da ocorrência de uma Revelação, podendo ser imediatamente após, ou depois de transcorridos alguns anos, ou podendo nunca vir a ocorrer, por mais que o indivíduo venha a passar por outras experiências transformadoras de natureza diversa. Me refiro aqui a uma experiência específica que ocorre apenas com alguns daqueles que se dediquem ao Caminho Místico, esta já foi referida como sendo um "Chamado", ou ainda, uma "Anunciação", trata-se de uma variedade de "Revelação" bastante específica cujas alterações na vida da pessoa acabam se mostrando bastante definidas naquilo a que alguns já se referiram como o exercício de uma "Profissão de Fé".

Tal processo de "Chamamento", é o que leva o indivíduo a se prontificar a trabalhar em prol do desenvolvimento de outros, tornando-se assim uma das figuras mais características do Caminho Místico que é o "Profeta". Tal experiência desperta aptidões distintas ao indivíduo tais quais "o dom da oratória", ou ainda, a capacidade de expressar, dar vazão e forma à realidade interna vivenciada em sua Revelação.
 

Esta condição torna a personalidade mundana um veículo de manifestação da realidade espiritual vivenciada por esta consciência interna do "Observador". O Profeta estará sempre expressando-se através do uso da intuição e por inspiração desta consciência interior. Geralmente serão conceitos completamente desvinculados dos condicionamentos estabelecidos em nossa sociedade e vida cotidiana, de modo que serão vistos algumas vezes como revolucionários, iconoclastas, de modo que sua visão mais descondicionada e libertária dificilmente será bem compreendida pelo senso comum, que o verá como excêntrico ou mesmo desajustado, como que contrariando aos "bons costumes".

Geralmente o Caminho Místico é também entendido como sendo "O Caminho da Santidade", e neste ponto é importante entender que o termo "Santo" significa apenas e tão somente "Puro" e esta pureza consiste não em uma adequação restrita a um conjunto de regras morais, mas sim a uma condição Natural de simplicidade. Este é um dos fatores que levam o Caminho Místico a ser mal compreendido, justamente por uma compreensão bastante destorcida do sentido das terminologias usadas.

Se observarmos o comportamento de um animal selvagem atacando, matando sua presa e a devorando, sua atitude não é de modo algum condenável, não há "maldade" em seu ato, pois o animal se expressa com pureza, de forma natural, e este é o conceito do que é puro. Ou seja, o Santo é alguém que expressa plenamente quem ele realmente é, mesmo que isso possa vir até a ferir os costumes de um determinado lugar e época.

No caso esta seria uma "terceira" Iluminação, ou a Iluminação propriamente dita, em que o indivíduo se torna aquilo que sempre foi e manifesta isto com plenitude por se ver livre dos condicionamentos sociais, culturais próprios de sua época e lugar em que vive, bem como livre do domínio e do envolvimento produzido pelos sentidos materiais.

Esta forma de Iluminação poderá até mesmo ocorrer antes ou independentemente da "Anunciação", podendo o Iluminado não "ouvir o chamado" para trabalhar pelo desenvolvimento dos demais. Poderá não aceitar discípulos ou seguidores.

Devido a esta natureza tão pouco objetiva do Caminho Místico é que se torna difícil se estabelecer estruturas, ou constituir organizações para o desenvolvimento, estudo e aprendizado deste Caminho, geralmente isto irá ocorrer através de "movimentos" ou grupos isolados que venham a se reunir e que compartilhem de uma mesma corrente ideológica, ou ainda, como geralmente se vê em escolas Orientais por meio do processo de discipulato.



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