quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Contemplando o Deserto


Contemplando o deserto, se vê ao longe uma forma difusa, misteriosa que se mistura com o bruxuleante entardecer, se vê uma luz indistinta que nos anuncia uma noite fria e solitária.

Não há explicação que descreva a profunda sensação de desolamento, de abandono, de solidão, que nos abraça em sua secura, em sua frieza indiferente, como quem nos conforta em silêncio apenas estando ao nosso lado frente à inevitabilidade dos fatos.

Uma noite fria, para um corpo cansado, fustigado pelo sol ardente, por um dia de lutas, por uma caminhada tão longa que já nos escapa à memória.

Mas que nos deixa uma sensação de missão cumprida... Um sentimento irônico para quem não acredita ter feito coisa alguma. Mas é neste horizonte incerto que se vislumbra uma nova etapa, um novo desafio, agora tão diferente.

Já não nos parece mais que o cansaço nos seja tão pesado, tão duro, tão seco. Meio às areias que se movem ao vento, como um leve véu que flutua sobre as dunas lhes acariciando gentilmente, lhes vestindo de alguma luz pálida que se reflete do entardecer.

Nessa contemplação se vê o horizonte como um sonho distante, como se apenas nos fosse possível imaginar como seria estar naquela atmosfera que se move lentamente, de luzes que se refletem em nuvens frágeis, em um fundo que escurece pouco a pouco, de onde desponta um novo brilho solitário e longínquo.

Nos leves delírios de nossa visão turva, se vê naquele minúsculo luzeiro um reflexo de tudo aquilo pelo que se buscou em tão longa jornada. O que fica é só um sopro de esperança que não ousamos tomar como nosso, que julgamos ser algo grandioso demais para ser visto a menos que assim tão distantes.

Aí se reconhece o valor de tão pequenina expressão solitária meio ao manto rubro cinzento que nos cobre. Como um momento único que sem precedentes, que jamais passará, e que nada estaria à altura de sucedê-lo.

Nos faz ver que todo o esforço teve seu valor, mas que nossa força não poderia levar a viver tão enigmática e singela glória. Só nosso silêncio poderia nos compreender. Só nossa solidão poderia nos acompanhar. Somente o vasto vazio da noite poderia nos assistir.
 
 
Agora que tudo fez sentido, agora que todas as respostas estão ali, tão perto como nosso próprio coração... Nossa memória nos trai, como que por um momento não estivéssemos mais sob os domínios do passado, como se só nos restasse um sonho, sem perguntas e sem respostas, que não nos diria nada, apenas o valor daquele momento.

Aqui encontramos a vida, que sempre esteve ali, sem nunca termos percebido, até que finalmente tivéssemos parado por um instante, tão pequenino quanto a pequena luz nos contempla do horizonte sem nos fazer perguntas, mas de forma tão enigmática.

Com um olhar único como olho algum seria capaz, e neste vemos que tudo tem uma razão de ser. Uma verdade. Uma explicação. Da qual não precisamos, mas que guardamos conosco pela eternidade daquele momento.

Assim nos inspira a seguir adiante, agora não mais contra o tempo, não mais com nossas forças, mas com nossa esperança, nossa certeza da continuidade, uma luz misteriosa que se acende dentro de nós, ilumina nossos pensamentos, nos ensina sobre as coisas, sobre como são apenas o que são... E nada mais.

Toda a luta da jornada perde seu sentido, mas toda a jornada de lutas agora se justifica, só agora que a longa caminhada nos leva a encontrar o motivo pelo qual ela foi feita, todas as dúvidas foram esquecidas, trocadas por um mistério maior, que as torna tolas e frágeis, como a areia levada pelo vento.

Todos os castelos de dunas já se foram, carregados para longe, para o horizonte deste novo mar que nos separa e que nos liga. Que naquele momento vemos ser o mais próximo que poderíamos estar, pois nos tocou mais profundamente que a aspereza cortante do deserto.

Agora que cheguei à noite, tudo ficou mais claro.