quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Os Dois Caminhos



 
"Os Dois Caminhos" é um outro título para o Arcano VI do Tarot, que por muitos é conhecido como "Os Enamorados", no entanto não é dos significados desta carta que se trata este texto, apenas os termos aqui coincidem com uma condição na qual naturalmente o ser humano se encontra, ou seja, como geralmente é interpretada essa carta, nós nos encontraríamos em uma encruzilhada na qual teríamos de decidir por qual dos dois Caminhos trilhar.
Trata-se de um tema vasto que já foi abordado parcialmente em outros textos e que no decorrer deste veremos que na verdade não vivemos realmente tal dilema da escolha, pois já somos instintivamente impelidos a um ou a outro caminho.
Conforme vimos no final do texto "Paladinos do Óbvio", podemos considerar que estas forças que impulsionam nossas atitudes e posturas perante a vida e a sociedade afetam até mesmo a nossa busca espiritual, nossa busca por "Evolução Espiritual". E estes dois impulsos básicos e opostos são tão marcantes na constituição de nossa personalidade que levaram a que se estabelecessem dois padrões distintos, duas formas de se buscar o desenvolvimento espiritual.
Estes dois modos de trilhar e experienciar nossa jornada espiritual vieram a constituir aquilo que passou a ser entendido como dois "Caminhos" possíveis para o aperfeiçoamento do Ser. Sendo que de modo geral, estes se constituirão em processo pelo qual se passou a classificar as diversas e diferentes escolas e filosofias tanto a nível religioso quanto às práticas e sistemas de estudo dentro das próprias Ciências Ocultas.
A estas duas categorias viemos a chamar de Caminho da Mão Direita e Caminho da Mão Esquerda. As origens atribuídas a estas nomenclaturas variam conforme a Escola ou Filosofia que as empregam, bem como os significados estarão variando significativamente de acordo com a categoria à qual cada um se coloca.
Há tradições que consideram que esta nomenclatura e classificação teria origem no Estudo do Tantra na Índia no qual se aplicariam estas duas definições para distinguir práticas de duas tradições distintas que abordam de maneiras diferentes a prática e estudo da filosofia Tantra.
Outra definição teria surgido a partir do Catolicismo que como política de domínio e supremacia sobre demais crenças teria se valido da passagem bíblica na qual se diz que à Direita estaria o Bem e à Esquerda estaria o Mal e mesmo que esta não fosse a origem de tal classificação acabou por enfatizar uma má interpretação do que caracterizariam estes dois Caminhos.
Ainda se poderia considerar que as terminologias teriam surgido a partir do desenvolvimento na Idade Média daquilo que mais tarde viria a ser conhecido como Satanismo, que consistia em determinados conjuntos de práticas que buscavam subverter e evocar valores contrários aos padrões predominantes vigentes na época daquilo que seria mais tradicionalmente utilizado e praticado em termos de busca por desenvolvimento espiritual.

Nesse sentido o termo "Sinistro" que significa esquerda e ao mesmo tempo traz um significado de contrário, ou aquilo que não é "direito" com a conotação de não ser "correto", ou ainda aquilo que fosse "estranho ou diferente", teria surgido por uma busca em quebrar paradigmas e trazer novas formas de praticar as ciências ocultas que não aquelas praticadas sob a influência da Igreja Católica, de modo que para isso muitas vezes se valiam de escolas e filosofias mais antigas, anteriores a esse domínio histórico.

Nem por isso essa classificação de Direita e Esquerda estaria relacionada a uma relação com o Cristianismo, pois a Direita não está restrita ao Cristianismo e nem mesmo o contrário, assim como a Esquerda não se caracteriza por uma oposição ao Cristianismo, pois essa oposição não se restringe à Esquerda e nem mesmo a Esquerda se restringe a isto.

Essas origens e referências dos termos dão compreensões frequentemente equivocadas dos significados e definições do que seria praticado e vivenciado em cada uma dessas vertentes, tanto no que se refere às definições do que viria a ser a Via Sinistra, ou Caminho da Mão Esquerda, como também do próprio Caminho da Mão Direita.

Atualmente diversas escolas se definem a partir desta classificação, bem como indivíduos igualmente se identificam e orientam sua busca espiritual tomando por parâmetro justamente essas definições, sendo comum que se veja referências, sobretudo ao Caminho da Mão Esquerda, geralmente referido por sua sigla em Inglês, Left Hand Path, ou simplesmente LHP.

Essa classificação também foi popularizada em meio aos Cultos de Matriz Africana, no qual se encontram templos, Terreiros, dedicados ou para o trabalho com a "Direita", com o trabalho com a "Esquerda", ou aquilo que alguns chamam de "Casas Cruzadas", como sendo Terreiros onde se trabalharia com entidades ligadas aos dois "lados".

A classificação nesse caso é ainda mais abrangente, pois os termos não se restringem a serem aplicados para definir apenas direcionamentos filosóficos, mas também distintas classes de seres espirituais, embora tão abrangente quanto o uso dos próprios termos é também a distorção de significados que tornam tal forma de classificar tão ambígua.

Assim, para termos uma definição mais objetiva destes dois "Caminhos" será preciso compreender que aquilo que de fato existe é uma dualidade quanto a tendências e impulsos naturais aos quais estamos todos sujeitos em nossa Condição Humana, que nos direciona naturalmente à manifestar nossa busca a partir de propostas e propósitos distintos, que mesmo havendo o elemento da escolha consciente ainda assim esses impulsos que nos levaram a fazer tais escolhas são inconscientes, instintivos e involuntários.

É importante que se diga, que a pesar de que se tenha correlações entre as classificações por lados e a classificação que distingue o "Caminho Iniciático" do "Caminho Místico", estas classificações se sobrepõem. Podendo haver tanto um direcionamento Iniciático quanto Místico em ambos os Caminhos, Esquerda e Direita. Havendo apenas uma certa tendência ao predomínio pois também essas definições serviram de origem para a criação destes termos. Ou seja, tanto o Caminho da Mão Esquerda teve origem no Caminho Iniciático quanto o Caminho da Mão Direita teve origem no Caminho Místico.


Iniciático ou Místico seriam os modos pelos quais se buscaria transcender nossa condição atual de desenvolvimento espiritual, que poderá se caracterizar tanto por uma conduta própria da Mão Direita, quanto da Mão Esquerda, sendo esses os pontos de partida para o avanço espiritual.

Igualmente equivocada é a definição do Caminho da Mão Direita como sendo o "caminho do bem" e da Mão Esquerda como sendo o "caminho do mal", este equívoco ocorre justamente por uma das origens do uso do termo "Esquerda" ter sido associado ao Satanismo, sendo esta uma doutrina baseada no conceito de Satã, significando "O Opositor", de modo que o senso comum é levado a assim definir.

Sei que muitos antes de mim buscaram traçar maneiras de explicar, categorizar e definir as fronteiras que distinguem os dois Caminhos e geralmente o que vemos é uma visão "Esquerdista" do que eles são e uma visão "Direitista" do que eles são, enquanto busco aqui dar uma visão mais "neutra" por assim dizer.

Pois juntamente com essa dualidade surgiu ainda o conceito de "Caminho do Meio", cujas definições quando encontradas se tornam ainda mais difusas e subjetivas do que aquelas atribuídas aos dois Caminhos.

Mas ainda assim me sinto confortável em dar um parecer neutro justamente por eu ter um direcionamento pessoal mais voltado ao conceito de "Caminho do Meio", de modo que isto me dá certa liberdade em atribuir definições que ajudem a compreender ambos os Caminhos, tanto da Direita quanto da Esquerda.

Neste ponto minha abordagem tomará como parâmetro de definição não as "virtudes" dos dois Caminhos, porque estas são muito mais mérito do buscador do que do Caminho em si, sendo que trago aqui um olhar mais crítico aos "vícios" de cada Caminho, por serem estes efeito dos impulsos inconscientes que nos movem.

Mesmo porque as qualidades de cada Caminho já são por demais debatidas e em muitos casos tornam o entendimento ainda mais distorcido, no qual as qualidades de um Caminho passam a ser vistas como defeitos pelo outro e assim estereótipos são mantidos e a discussão descamba para visões tão partidaristas quanto as que vemos nos conceitos de Direita e Esquerda no meio Político.

Que aliás, é outra questão que precisa ser esclarecida, pois até mesmo tal distorção é encontrada em certos meios nos quais se confundem a classificação de Caminhos Espirituais e de orientação Política, sendo que de modo algum haveria qualquer correlação, mesmo que alguns meios busquem forçá-la como método de manipulação da opinião pública.

O que mencionei como sendo os "vícios" que distinguiriam os dois Caminhos são basicamente os impulsos inconscientes que havia mencionado no texto "Paladinos do Óbvio", sendo eles o impulso que nos leva a buscar pelo "Poder" e o que nos leva a buscar pelo "Prazer". É preciso que essa análise seja feita com grande atenção, pois a relação é bastante sutil e o uso dos termos é bastante restrito, de modo que veremos em ambos os lados qualidades tais como Orgulho, Vaidade, Ambição e Sentimentos de Superioridade por exemplo.


Algo que se há de ressaltar é que ambos os Caminhos consistem em definições do estado, ou padrão no qual se encontram nossas tendências naturais que vêm a se manifestar em nossa busca espiritual. Sendo assim os Dois Caminhos se tratam de pontos de partida e não exatamente metas a serem alcançadas, mesmo que dentro de cada qual se tenha metas a alcançar, objetivos, anseios, desejos, ambições, propósitos, mas estes servirão apenas como elementos que nos levarão ao auto-conhecimento e na superação destes é que se encontra realmente o desenvolvimento espiritual propriamente dito, que virá a ser alcançado através do Caminho Iniciático ou Místico independente de nosso ponto de partida ser a Direita ou a Esquerda.

Definitivamente não é fácil estabelecer conceitos mais objetivos para os dois Caminhos quando estes tratam de questões tão abrangentes, pois o número de ressalvas que se faz necessário é considerável. Outra ressalva importante é quanto à atribuição dos dois Caminhos como especificadores de modalidades de práticas Mágicas. Esta ocorre em função de outra dualidade considerada em nosso meio que são os conceitos de Magia Branca e Magia Negra.

Essas definições de "cores" da Magia é um outro tema bastante vasto que não nos caberia abordar neste mesmo texto, mas ainda que haja frequentemente o interesse pela prática da Magia Negra no Caminho da Mão Esquerda e da Magia Branca no Caminho da Mão Direita, essas definições Mágicas não se restringem aos dois Caminhos e nem são exclusivas de um ou de outro. Como também não se distinguem os dois Caminhos por quaisquer tipos de prática Mágica específica, seja pela classificação que se quiser usar, tanto de Alta Magia e Baixa Magia, pois as relações serão indiretas e imprecisas.

Dito isto temos também que a distinção entre Magia Negra e Branca teriam servido originalmente para cunhar os termos Direita e Esquerda, mas estes também são conceitos equivocados. Tais distorções de significado ocorrem porque encontramos definições dadas pela Direita para o que seria a Esquerda e vice versa, de modo que frequentemente os termos e definições acabam por ter caráter pejorativo, ao se julgar o oposto como oponente. O que também é uma dualidade bastante comum à "Mente" e que se demonstra em diversos aspectos do viver humano como se observa toda vez que nos deparamos com dualidades.

Com isto estamos tratando muito mais do que não são esses Caminhos do que aquilo que eles efetivamente são, no entanto vi como absolutamente necessário retirar da questão todos esses elementos capazes de produzir interpretações equivocadas, pois algumas chegam a nos dar até mesmo concepções invertidas do que significaria cada Caminho.

Um exemplo disso é a associação frequentemente feita com as mãos da figura do "Bode de Mendes" em que se vê as inscrições "solve" na direita e "coagula" na esquerda. No entanto essas fazem alusão respectivamente aos Sephiroth Geburah e Chesed, tendo significados análogos à "Austeridade" o primeiro e "Benevolência" o segundo. Qualidades essas observadas inversamente quando vistas como virtudes do Caminho da Mão Direita e da Mão Esquerda.

Poderíamos considerar tais qualidades como "ideais" que viriam a compensar as tendências observadas em cada Caminho, sendo que a Esquerda precisaria compensar com Benevolência a sua Austeridade e contrário se aplicaria ao Caminho da Mão Direita.

O presente texto tem caráter introdutório já que pretendo abordar mais detidamente os dois Caminhos em textos separados, de modo que para bem entendê-los recomendo fortemente que se leia antes este e se possível também aqueles que foram aqui linkados, por trazerem elementos que virão a enriquecer o entendimento do tema em questão.



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